quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O Massacre da Pedra do Reino - uma memória macabra


 São inúmeros os eventos mais diversos que já ocorreram por todo o Nordeste, sejam momentos de luta, independência, ou até de descobertas incríveis. Porém ao mesmo tempo, o Sertão é lar de acontecimentos tristes e até macabros! Bom, o artigo desta semana aborda um acontecimento que aterrorizou toda uma cidade e arredores de Pernambuco, falo sobre o Massacre de Pedra Bonita, que ficou marcado até as gerações de Euclides da Cunha e inclusive de Ariano Suassuna.


Prólogo


Antes de contar diretamente do ocorrido, precisamos nos ater ao contexto em que a tragédia se alicerçou, ou seja, vamos ao séc XVI, mais precisamente em Marrocos, onde ocorria a Batalha de Alcácer-Quibir, nela estava o jovem rei de Portugal chamado Dom Sebastião, que, aos 24 anos, havia se lançado ao Continente Africano com o fim de criar uma "Cruzada ibérica" contra os muçulmanos que lá estavam e que haviam deposto um dos aliados de Sebastião. A batalha dura um dia inteiro, com as tropas portuguesas já desgastadas pela fome e cansaço.


Rapidamente, as tropas muçulmanas conseguem dominar os "cruzados", que fogem prontamente. Todavia, ao baterem em retirada, percebem que Dom Sebastião não estava entre eles! A partir deste evento, surgem teorias do que poderia ter ocorrido com o rei - alguns céticos afirmaram que ele deveria ter morrido em batalha, enquanto outros lançaram uma hipótese totalmente diferente: durante o confronto, Sebastião poderia ter sido "arrebatado" para um local totalmente incrível, que havia riquezas infindáveis e um enorme exército, e que ele mesmo retornaria no momento oportuno, quando traria as imensas riquezas para Portugal e faria dele um grandioso império. 

No entanto, anos se passam e esta lenda começa a ser escrita em cordéis, que finalmente chegam ao Nordeste e daqui se espalham rapidamente, conquistando muitos seguidores, que acreditavam que Sebastião retornaria e faria do Sertão um lugar próspero, é então em meados de 1830 que surge uma figura bastante peculiar, chamado João Antônio Vieira dos Santos, que passou a pregar e afirmar onde Dom Sebastião retornaria: Em São José do Belmonte, Pernambuco.

Forma-se um culto


Segundo historiadores, o culto se inicia nos arredores de Villa Bella, na qual o jovem antes referido pregou ao povo que Dom Sebastião em breve retornaria em um local chamado Pedra Bonita - lá, as pedras presentes no local se transformariam em um grandioso palácio, e aqueles que estivessem com ele, se tornariam ricos e (conforme alguns rumores) deixariam de "serem negros para se tornarem brancos". Logo, toda aquela população sertaneja, que vivia em plena miséria, agarrou-se à crença sebastianista e prontamente migraram para a chamada agora Pedra do Reino, estabelecendo-se lá uma forma de "reino" pelos próprios seguidores, tendo como "Rei provisório" João Antônio, sacerdotes e um "conselheiro" do rei, que se chamava João Ferreira.

Práticas como a poligamia se tornam comum no local, além de longas festas com bebidas e alucinógenos locais. Segundo alguns relatos, João Antônio portava consigo um folheto de cordel e duas pedras preciosas, que ele afirmava serem provas de que Dom Sebastião estava próximo.


O início e fim do massacre


Com o passar do tempo, o "conselheiro" João Ferreira passou a adotar ideias consideradas macabras - passou a pregar que para que Sebastião retornasse ao local, seria necessário que "regassem o solo e limpassem as pedras com sangue", a partir daí começam a surgir maléficos rituais de sacrifícios, em que mães jogavam seus filhos recém-nascidos nas rochas e idosos eram decapitados para lavarem a Pedra do Reino, conta-se inclusive que, durante uma alucinação, o sogro de João Antônio teria pego seus dois netos e com eles saltado de uma das rochas, matando ambos - diz-se que os primeiros migrantes foram 300 sertanejos, destes, 50 foram mortos no primeiro ritual, e 80 no segundo.

Após tamanhos relatos macabros serem espalhados pelos povoados próximos, a notícia chega aos ouvidos do Major de polícia Manoel Pereira da Silva, junto com suas tropas, eles enfrentam rapidamente os fanáticos de Pedra Bonita em meados de Maio de 1838, lá as tropas policiais também sofrem baixas, no entanto o "reino" é desfeito com sucesso e o Sebastianismo se torna apenas uma memória na região.


Conclusão


Sem dúvidas, este incidente tornou-se memória e até patrimônio histórico de São José do Belmonte, no munícipio, são realizadas as festividades denominadas "Cavalgadas", que retratam o "Reino de Pedra Bonita". Ariano Suassuna posteriormente lança uma de suas primeiras obras marcantes chamada de "Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta" inspirada no ocorrido com João Antônio e seu conselheiro João Ferreira. Mais tarde, quando secretário de Cultura, elabora o local e transforma-o em uma "ilumiara", isto é, um palco de teatros onde ocorreu o massacre.

Além do mais, Euclides da Cunha registra o ocorrido na obra "Os Sertões", onde podemos ler um trecho que diz:


"Este lugar foi, em 1837, teatro de cenas que recordam as sinistras solenidades religiosas dos achantis. Um mamaluco ou cafuz, um iluminado, ali congregou toda a população dos sítios convizinhos e, engrimpando-se à pedra, anunciava, convicto, o próximo advento do reino encantado do rei D. Sebastião. Quebrada a pedra, a que subira, não a pancadas de marreta, mas pela ação miraculosa do sangue das crianças, esparzido sobre ela em holocausto, o grande rei irromperia envolto de sua guarda fulgurante, castigando, inexorável, a humanidade ingrata, mas cumulando de riquezas os que houvessem contribuído para o desencanto."


Sem dúvidas podemos refletir - qual o motivo de algo tão macabro ter existido? Seria apenas por poder? Criar um reino fantasioso apenas para controlar um punhado de sertanejos que somente estavam lá porque buscavam esperança? O massacre de Pedra Bonita tão cedo deve ser esquecido, e sem dúvidas jamais deve se repetir.

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